Política
Merval Pereira, O Globo
Talvez porque será o presidente do STF dentro de dias ou porque sua função de
relator ajuda a encaminhar as votações, o fato é que Joaquim Barbosa, com toda a
sua inabilidade, está conseguindo dar o tom do julgamento do mensalão, seguindo
quase que integralmente a posição do Ministério Público Federal, cujo chefe, o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, está por trás da medida mais
concreta de punição tomada até agora: a proibição aos réus já condenados de sair
do país.
A decisão não foi apenas a de entregar os passaportes, mas a comunicação ao
Ministério da Justiça de que eles só podem viajar ao exterior consultando o
Supremo.
Isso porque os advogados de defesa estavam considerando inócua a medida, pois
é possível viajar por todos os países vizinhos usando apenas a carteira de
identidade.
José Dirceu, condenado à espera da pena, classificou de “populismo jurídico”
a tomada de seu passaporte antes da definição da pena e do trânsito em julgado
do processo.
Mas o procurador-geral quer mais: está insistindo na proposta de que todos os
condenados sejam presos imediatamente no final do processo e aguardem na cadeia
os recursos que serão impetrados por suas defesas.
Quanto a essa medida, há uma divisão no plenário do STF, e parece uma tarefa
difícil conseguir a maioria para a prisão imediata dos condenados, antes que o
plenário julgue os recursos.
Há, no entanto, na maioria dos ministros, a certeza de que o julgamento é
exemplar e o desejo de não permitir que os réus escapem de uma punição severa
por brechas da legislação brasileira.
Até agora, todos os réus do chamado “núcleo operacional” pegaram penas que os
levarão para a cadeia em regime fechado por um bom tempo, e tudo indica que essa
tendência se repetirá nos chamados núcleos “político” e “financeiro”.
É bom lembrar que pesquisas anteriores ao julgamento mostravam a sociedade
brasileira cética quanto aos resultados, ao mesmo tempo em que os principais
acusados consideravam abertamente que o julgamento não se realizaria tão cedo ou
que não seriam condenados.
Ainda repercute o comentário cínico do réu Delúbio Soares, que disse que o
mensalão, ao fim de alguns anos, não passaria de uma piada de salão.
O fato de que banqueiros, empresários, políticos e ex-ministros de Estado
estejam nos bancos dos réus, todos criminosos de colarinho branco, a maioria
condenada à prisão fechada, é um sinal para a sociedade de que a impunidade está
sendo superada pela aplicação rigorosa da lei.
Além da expectativa de que as decisões do Supremo repercutam nas instâncias
inferiores de nosso Judiciário, há também a disposição de Joaquim Barbosa de
colocar como prioridade sua à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o
combate à corrupção.
O sistema brasileiro, tanto no STF quanto no CNJ, é presidencialista, em
decorrência de que o presidente tem o poder de pauta, que é muito grande. Não
foi por outra razão que o julgamento do mensalão entrou na pauta do Supremo na
presidência do ministro Ayres Britto, que queria se aposentar com o sentimento
de dever cumprido.
Essa influência do presidente do STF tem a desvantagem, como analisa o
jurista Joaquim Falcão, já citado na coluna, de descontinuar as políticas
administrativas, tanto lá quanto no CNJ.
Gilmar Mendes, por exemplo, era a favor de que os julgamentos dos juízes
fossem públicos quando estava no CNJ, já Cezar Peluso, no mesmo cargo, queria
que todos estivessem sob segredo de Justiça. Já Nelson Jobim priorizou o combate
ao nepotismo e o teto salarial, que não foram prioridades dos sucessores.
Voluntarista, irascível, e por isso popular, Barbosa está imbuído de uma
missão e volta e meia dá sinal disso no julgamento. Anteontem, em meio a uma das
mais sérias discussões com Marco Aurélio Mello, ele tentou voltar à votação
argumentando: “É isso que a sociedade espera de nós.”
Teremos nos próximos anos um CNJ pró-ativo no combate à corrupção, sob a
presidência de Barbosa, o que é um indício de que o mesmo espírito que dirigiu o
julgamento do mensalão permanecerá comandando o Judiciário brasileiro.
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