quarta-feira, 29 de abril de 2015

A VERDADE DOI

29/04/2015
 Reinaldo Azevedo na Veja.com


O SEGREDO DE ABORRECER É DIZER TUDO: Supremo apenas seguiu a lei ao conceder habeas corpus

Vamos lá. Por três votos a dois, a segunda turma do STF concedeu habeas corpus a Ricardo Pessoa, da UTC, e a mais oito pessoas ligadas a empreiteiras que estavam em prisão preventiva, a maioria desde novembro. Votaram a favor Teori Zavascki, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Opuseram-se Cármen Lúcia e Celso de Mello. Antes que comece o bobajol: se a turma estivesse sem Toffoli, seria 2 a 2, e o empate seria favorável aos réus — logo, seriam soltos do mesmo modo. Eles ficarão em prisão domiciliar, submetidos a algumas outras condições restritivas.
Querem embaixadinha pra torcida? Equilibrismo de bola na ponta da chuteira, na cabeça, nos ombros e outras firulas? Procurem outros blogs. Aqui vocês vão encontrar o que encontraram sempre em matérias assim. A prisão preventiva não serve para pôr na cadeia gente de que eu não gosto. A prisão preventiva não serve para pôr na cadeia gente que considero de maus bofes. A prisão preventiva não serve para brincar de Torquemada. A prisão preventiva obedece a critérios, previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal, com redação de 2011 (Lei 12.403), a saber:
“Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
O que dizer? Nenhuma dessas condições se aplica mais. As pessoas, consideradas boas ou más, efetivamente boas ou más, têm de ser mantidas presas segundo a lei. Haja largueza interpretativa para afirmar que “a ordem pública ou a ordem econômica” correm risco com os réus em prisão domiciliar. Seria uma piada afirmar que, a esta altura, a reclusão obedece à conveniência da instrução criminal. “Ah, e quanto à aplicação da lei penal, como está ali? Não existem provas da existência do crime?” Sim! Mas é preciso saber ler. Nesse caso, recorre-se à prisão preventiva quando, por alguma razão, os demais procedimentos se mostram impossíveis ou quando há efetivo risco de não cumprimento da lei. Não é o caso. 
Essa minha opinião não é nova. O arquivo está aí. Eu pensava assim na Operação Satiagraha. Eu pensava assim na Operação Castelo de Areia. Eu pensava assim durante o mensalão. Eu penso assim no processo do petrolão. Não surpreendo ninguém. Prisão preventiva não é antecipação de pena. A gente pode até torcer o nariz para o estado de direito quando ele beneficia aqueles de que não gostamos ou notórios bandidos. Mas, no dia em que não houver o triunfo da lei para estes, é o cidadão comum que também corre risco. O habeas corpus nada tem a ver com pizza ou algo assim. Não custa lembrar: durante a Operação Satiagraha, caso se ouvisse o grito da maioria de ocasião, até jornalistas teriam ido em cana.
“Ah, mas eu acho que, sem a prisão preventiva, o Ricardo Pessoa não vai contar tudo o que sabe.” Ainda que isso seja ou fosse verdade, é o tipo de raciocínio que pode ser apimentado, não é mesmo? Por que não pensar, então, em castigos mais duros do que só a preventiva? Vocês sabem… São muitos os métodos existentes para convencer um preso, não é? A questão é de fundamento legal.
Dez entre dez penalistas davam como certo que o habeas corpus seria concedido. E não porque eles gostem de bandidos. Mas porque o Artigo 312 do Código de Processo Penal está em vigor e protege a todos: a mim, a vocês e aos empreiteiros. “Ah, mas nós não somos bandidos!” É verdade. Mas a lei trata das circunstâncias — ainda bem! —, não das pessoas em particular, com nome e endereço. Isso é próprio de tiranias.
Eu quero o fim do ciclo do poder petista e gostaria de ver alguns próceres do atual regime na cadeia. E quero que isso se dê segundo a lei. Ou, se for o caso, que se mudem as leis para aumentar a sua efetividade. O arbítrio só serve ou para perseguir inimigos ou para proteger amigos. E isso não nos interessa.
PS: Eu não leio outros blogs — as exceções, de pessoas que admiro muito, cabem em uma das mãos —  e não me importo se outros blogs não me lerem. Sou muito ocupado para me dedicar a opiniões que considero irrelevantes. Atenho-me aos sites noticiosos (tanto quanto eles conseguem). Assim, parem alguns pretensiosos que saem por aí se pavoneando: “O Reinaldo criticou em seu blog algo que escrevi…”. Leitores, com frequência, me mandam links de alguns manés se dizendo contestados por mim. Ocorre que, na maioria das vezes, eu nunca nem ouvi falar dos caras. Realmente ignoro o que se andou escrevendo por aí sobre o habeas corpus. Eu sei o que eu penso a respeito. Opinião é como saliva: todo mundo tem. Isso vale para qualquer um. Também para mim. Na dúvida, consultem um advogado.
PS2 (acrescentado às 20h21 ): O fato de eu concordar com o habeas corpus não implica que eu considere Carmen Lúcia e Celso de Mello ministros incompetentes, desinformados ou sei lá o quê. Expresso um entendimento da lei, só isso. Os argumentos deles não me convenceram. E sou, ademais, lógico. No caso, só uma das opiniões pode estar certa. O fato de eu achar que algumas pessoas estão erradas não quer dizer que eu as considere de má-fé. Não venham alguns tentar emburrecer o debate. Não topo. Não debato para eliminar o outro. Debato para esclarecer.
Texto publicado originalmente às 20h21 desta terça
Por Reinaldo Azevedo

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