Gaudêncio Torquato POLÍTICA
Qual a possibilidade do ex-presidente
Luiz Inácio voltar a ser candidato do PT no pleito presidencial de 2014? Tem
sido esta a mais recorrente pergunta nos corredores da política, instigada pela
acentuada queda da popularidade da presidente Dilma na esteira da avalanche de
manifestações que sacodem o país.
A resposta está condicionada a outra
questão: é possível à mandatária recuperar a avaliação que detinha junto às
classes sociais, no início deste ano, a mais positiva entre os chefes de
Executivo da contemporaneidade?
A resposta não é tão simples, pois
agrega um conjunto de fatores, alguns imponderáveis, a começar pelo desempenho
da economia nos próximos meses.
A ser pífio o desempenho econômico,
com efeitos na inflação, particularmente na área de alimentos, a presidente se
defrontará com dois grandes riscos: a perda de controle sobre o processo
político-administrativo, com a governabilidade caindo abaixo do ponto crítico;
e a perda de capacidade de reverter o processo de desacumulação de força.
Sob essas duas situações-limite, é
razoável crer na hipótese de que o PT, para preservar seu projeto de poder,
convença seu comandante-em-chefe a voltar à liça. A recíproca é verdadeira. Se
a economia correr bem nos trilhos, o controle sobre o poder político será
resgatado e a boa imagem reconquistada.
O vetor de peso de um governante, é
bom lembrar, equivale ao de um balanço. A princípio, ele sobe, depois desce,
mantendo-se em nível baixo por bastante tempo, até juntar forças para recuperar
a posição anterior.
O perigo é quando o mandatário atinge
o ponto de quebra, aproximando-se do extremo do arco da estabilidade; nesse
caso, não haverá condições para segurar a queda e acampar o governo em terreno
seguro.
Um exemplo clássico de recuperação,
segundo o cientista social chileno Carlos Matus, foi o do último governo do
presidente Paz Estensoro, da Bolívia, que empreendeu forte programa de ajuste
macroeconômico, sob a condução do ministro do Planejamento Sánchez Losada.
A inflação de 30.000% ao ano
destruíra as forças do presidente e de seu partido. A eficácia do programa
reduziu a alta dos preços a 30% ao ano, o que deu a Losada, em 1993, a maior
votação das eleições presidenciais daquele país. Foi uma típica demonstração da
teoria do balanço.
Não há comparação, claro, com a atual
situação brasileira. Nossa inflação não chega nem a dois dígitos. O exemplo
serve para ilustrar a imagem da gangorra, como a que vemos.
Com os preços de alimentos subindo a
uma taxa anual entre 14% e 19%, conforme escreveu o economista José Roberto
Mendonça de Barros (O Estado, 07/07/2013), é possível prever forte pressão
sobre os orçamentos familiares e, se isso ocorrer, expansão da insatisfação
social.Nesse caso, o cenário de queda se manteria.
João Santana, o responsável pelo
marketing do governo, estipula em quatro meses o tempo para a presidente
recuperar o patamar de prestígio. É possível? A resposta vai depender do
axioma: “quem é dono da flauta dá o tom”; a dona é a maestrina da orquestra e é
chamada de economia. A lábia do marqueteiro aponta, portanto, para as cartas
econômicas que serão embaralhadas para o jogo de 2014.
É evidente que, a par de eventuais
trunfos a serem obtidos na mesa da economia, há mais dois cinturões do governo
para ajustar, sob pena de irreversível débâcle da imagem presidencial: os
cinturões político e de serviços públicos.
Se fechar a torneira para as demandas
políticas, a presidente ficará sob ameaça de mais derrotas no Parlamento. Caso
tampe os ouvidos ao forte clamor das turbas, arrisca-se a cair no despenhadeiro
da rejeição social.
Hoje, mostra-se atenta à onda
popular, abrindo um conjunto de iniciativas, como a proposição da reforma
política e implantação de programas, alguns polêmicos, como importação de
médicos e extensão dos cursos de medicina, de 6 para 8 anos.
Caso não consiga ajustar os cinturões
da governança aos corpos econômico, político e de serviços sociais, a candidata
à reeleição poderá ser induzida a ceder o lugar ao antecessor, plano B com que
trabalha parcela da máquina petista. Daí a inevitável pergunta: a volta de Lula
seria a solução para o PT prolongar seu projeto de poder? O horizonte é
nebuloso. Mas algumas hipóteses são razoáveis.
A primeira é de que voltar é uma
forma de retroceder. O percurso liderado pela primeira mulher presidente seria
interrompido para propiciar o reingresso em cena do perfil maior do PT. O que
não evitaria a sensação de insucesso da estratégia petista.
Outra observação: nem o Brasil nem
Luiz Inácio são os mesmos de ontem, o que nos remete à máxima de Heráclito de
Éfeso: “um homem não passa duas vezes no mesmo rio”. As águas sempre se
renovam. O sol é novo a cada dia.
As duas vezes em que Lula atravessou
as águas nacionais formaram e fecharam um ciclo, caracterizado pelo
aprofundamento das coalizões partidárias (que resultaram no mensalão), por um
compadrio patrimonialista entre sindicalismo e Estado, pelo acesso das massas à
mesa do consumo e por um estilo populista de governar, que multiplicou contatos
com as massas.
Hoje, Luiz Inácio se agasalha no
conforto de palestras internacionais, sob o manto do carisma e do perfil com
maior cacife eleitoral. E que tem de cuidar bem da saúde, mesmo exibindo
passaporte de seus médicos para voltar a frequentar palanques.
Navegar no Brasil de hoje é, para os
políticos, um exercício de reaprendizagem. A pororoca que se espraia pelo país
exige um mergulho profundo nas águas que inundam ruas, becos e vielas. Lula é
um navegante. Mas o rio está mudando o curso. Pegar uma canoa em direção ao
amanhã, apenas com um “baú recheado de coisas de ontem”, pode dar com os burros
n’água.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de
comunicação. Twitter: @gaudtorquato
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