MÉDICOS DIZEM NÃO A PADILHA
Autor
- Alvaro L. S. Jesus
Desconfio quando vejo escravizados
defendendo seus senhores, estupradas defendendo seus estupradores. Quando a
senzala se alia a casa grande. Quando a oposição se cala diante dos desmandos
da situação. Eu sou médico, não posso defender quem quer esmagar a categoria
profissional a qual pertenço. Mesmo que eu pertença ao mesmo partido do ministro
carrasco, discordo dele. Neste caso tenho também que alertar o partido e,
entrando no debate, provocar a reflexão. Se não for entendido, paciência.
O titular da Pasta da Saúde, ministro
Alexandre Padilha, anunciou e induziu a presidente a cometer um grave erro:
jogar o anzol para pescar médicos cubanos, portugueses e espanhóis para vir
trabalhar na periferia das cidades brasileiras, de preferência as mais pobres e
distantes, justificando-se com bases em falsas premissas: faltam médicos no
Brasil. Não faltam médicos, não. Faltam as condições dignas de trabalho –
garantias: trabalhista, salarial, estrutural, segurança, continuidade na
formação profissional (educação), acessibilidade, diminuição da carga
tributária.
Não é verdade que faltam médicos no
Brasil. O que há é uma má distribuição
dos médicos que estão mais concentrados nas grandes cidades, notadamente nas
capitais dos estados das regiões sul e sudoeste. Nas capitais de São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, dentre outras, as condições de
infra-estrutura e as condições de trabalho são mais condizentes com o exercício
da profissão e com a atualização
profissional. Ademais, as prefeituras
impõem aos médicos e demais profissionais de saúde, condições profissionais
quase escravizantes – sem férias, sem FGTS, sem direito a licença médica, sem
13º. salário – sem contrato de trabalho. Os patrões não são conhecidos. Entre
as prefeituras e os médicos postam-se os intermediários (ONGs, OSCIPs,
Fundações, Cooperativas...) cujos representantes nunca dão as caras, mesmo
porque geralmente moram em outros estados, não tem endereços nem número de
telefone conhecidos.
Não é que a categoria médica seja contra
a entrada de colegas de outra nacionalidade pelas vias normais, desde que
revalidando seus diplomas, submetendo-se as leis vigentes no país, vindo
individualmente como sempre foi. Não somos contra o intercâmbio profissional.
Somos contra a importação em massa como política de governo baseada em
premissas que não se sustentam. Somos contra a vinda de navios e aviões
cargueiros cheios de médicos sem passar pela alfândega. Mesmo por que, assim é
contrabando. Somos contra quando se faz uma lei específica para importar uma
fornada profissional por que assim é prática de exceção que exige apreciação do
judiciário. Não, assim não, ministro.
Há pouco tempo os jornais impressos e
televisivos nacionais noticiavam os espanhóis tratando mal os brasileiros em
seus aeroportos, dificultando nossa entrada lá no seu país, engrossando a voz
contra nós. Algumas vezes até foram além de engrossar a voz. Não há muito tempo
os patrícios portugueses dificultaram a vida dos nossos dentistas lá em
Portugal. Quem não se recorda que Cuba não deixava um só cubano deixar seu
território. Lembramos que desportistas cubamos foram deportados pelo governo
Brasileiro sem nenhum crime cometer - nem lá nem aqui. Parece que abriram as
porteiras agora. Anistiaram todos num piscar de olhos. Em nome de uma política
eleitoreira o ministro vai liderar um pelotão de jaleco branco. Ou então o
ministro quer reviver Pedro Álvares Cabral ou Cristóvão Colombo comandando
caravelas de lá para cá. Ministro, com essa provocação, o senhor pode estar
fabricando algum Che Guevara - E endurecer é preciso, mas sem perder a ternura
jamais. Os médicos podem praticar a reconvenção.
O PT tem nos médicos uma categoria
profissional que mais engrossou e engrossa suas fileiras – quer como
simpatizantes da causa, quer como filiados, quer como eleitos para cargos no
executivo ou no legislativo. Ademais, os Sindicatos de Médicos nos estados,
quase todos, rezam nas cartilhas e são controlados pelo PT, pelo PCdoB e pelo
PSB. E o Ministro da Saúde se postou como bucha de canhão do “fogo amigo”
contra seus “colegas de profissão”- (antes de ser ministro ele era médico) e
uma boa parte companheiros de luta.
Estranho também é a inflexão radical
autoritária do PT - de um partido que construía suas decisões de forma
descentralizada e periférica passou a impor seus atos de modo imperialista e
centralizado, elitizado e imperial. Não mais discute com as bases partidárias
tão valorizadas no passado. Não mais ouve as vozes do campo, das fábricas e das
universidades. Não consulta mais as categorias profissionais. Dita as ordens e
reúne-se com os prefeitos (de todos e de quaisquer partidos) para avisar a
decisão e planejar a implantação dos seus planos ditatoriais. E seus projetos
são sempre forjados por marqueteiros que colhem as idéias em árvores dos
institutos de pesquisas (apontavam a saúde como o problema que mais afligia o
povo brasileiro - 70%). Então, quem pauta a política de saúde é João Santana
não é o Alexandre Padilha. Sendo assim, já há motivos para demitir o ministro;
e seu substituto não precisa ser procurado. Mas, números não falam por si só. O
homem precisa refletir sobre os números. E o governo precisa investir em
infra-estrutura e fazer a gestão correta.
Só político em campanha inverte a ordem dos fatores. Estamos diante de
um dolo intelectual. E o nome do erro de estratégia é piada de marqueteiro.
Ser intelectualmente cínico ou canalha
não é privilégio de um homem só ou de um partido só. Demóstenes Torres (DEM)
mostrou que não era flor que se cheirasse. Nathan Donadan (PMDB) está
trancafiado. Collor (PTB) foi empitchado. Sobre Renan e Sarney (PMDB) pesam
algumas denúncias. Sobre Azeredo e Perillo (PSDB) pesam mensalinho e também
esquema Cachoeira. Sobre o PT, além da acusação em relação ao mensalão, Padilha
veio agora se confrontar com um dos pilares humanos do partido, os médicos, que
juntos formam uma categoria profissional que não arreda o pé da agremiação
desde a sua fundação.
Moral da estória: um médico-ministro
contra todos os médicos não ministros. E o médico-ministro foi quem pisou na
bola! É hora de fazer a escolha. Ou o PT demite o ministro ou o ministro acaba
com o PT. Um tiro no pé.
Mas a questão da guilhotina e
manipulação dos profissionais da saúde não é de hoje, nem é de agora. Queriam
eles tirar poder dos médicos na questão relativa ao ato médico. Tentaram rolar
a maçã podre e envenenada entre os profissionais da saúde para se digladiarem.
Alguns entraram no jogo. A guerra parecia não ter fim. O salário dos
enfermeiros despencou. Dos dentistas despencou. Dos fisioterapeutas despencou.
E eles achavam que deveriam tirar a diferença subtraindo poder profissional dos
médicos. Não entenderem que a política de saúde incentivava a queda do salário,
a competição desleal e desmedida para atirar proveito disso. O enfermeiro é hoje, no Programa de Saúde da
Família, um funcionário burocrático que ganha o salário de um Técnico em
Enfermagem para não exercer a sua função de... Enfermeiro, com a grade
curricular de... Enfermeiro. Sua função imposta pelo Ministério da Saúde é de
“técnico em estatística” – faz coleta de dados – são mais de 30 (trinta)
formulários que o Enfermeiro tem que manusear para preencher diariamente e
ainda no final do mês fazer a totalização dos dados para que as instâncias de
governo possam exibir suas proezas. Mas os Enfermeiros querem culpar os médicos
pelos insucessos dos equívocos de seus sindicatos que não se ocupam em defender
integralmente e com o foco correto os... Enfermeiros. Os sindicatos dos
profissionais na área de saúde caíram no conto da maça rolada criminosamente
entre eles. A maçã podre e envenenada.
Tudo tem um fim. Este texto também. A
questão é longa e complexa. Sei que estou ferindo muitas sensibilidades. Nada
posso fazer. Sou médico. Tenho filiação partidária. Defendo minha cidadania.
Estou sujeito a críticas. Tenho o direito de criticar. Esta é a minha
primavera. Aponto equívocos. Não quebro vidraças nem jogo pedras em policiais.
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