terça-feira, 10 de dezembro de 2013

CIVILIDADE

09/12/2013
 às 21:58 \ Política & Cia - BLOG DE RICARDO SETTI NA GLOBO.COM


UMA PAUSA PARA A CIVILIDADE: Dilma foi aos funerais de Mandela com os quatro ex-presidentes no avião presidencial. O trato gentil e civilizado com FHC, adversário político, é rara e positiva exceção na política brasileira

José Sarney, Lula, Dilma Rousseff, FHC e Fernando Collor de Mello (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)
Dilma com Sarney, Lula, FHC e Collor: “é uma honra poder reunir todos os ex-presidentes”, disse ela. Gestos assim só fazem bem ao ambiente crispado e radicalizado da política brasileira (Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República)
Ah, como seria bom se a política fosse sempre assim…
Em mais um gesto de civilidade, que precisa ser reconhecido — já o fiz várias vezes neste blog, em situações anteriores –, a presidente Dilma Rousseff convidou os ex-presidentes Lula (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTB) e José Sarney (PMDB) a viajar com ela no avião presidencial Santos Dumont para os funerais, em Johannesburgo, do falecido ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela.
“Estou viajando acompanhada dos ex-presidentes Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula para acompanhar os funerais do grande líder Mandela”, escreveu e presidente em seu perfil no Twitter. “É uma honra poder reunir todos os ex-presidentes num objetivo comum. O Estado brasileiro se une para honrar Mandela, exemplo que guiará todos aqueles que lutam pela justiça social e pela paz. É uma demonstração de que as eventuais divergências no dia-a-dia não contaminam as posições do Estado brasileiro”.
A presidente e os ex-presidentes do Brasil embarcaram da base aérea do Galeão, no Rio, às 12h30. Antes, todos sorridentes, deixaram-se fotografar.
Em países avançados, a começar pelos Estados Unidos, são comuns esse tipo de gestos simbólicos, em que ex-presidentes deixam de lado diferenças políticas em momentos especiais e compartilham de solenidades. A última vez em que isso se deu nos EUA foi logo após a posse de Barack Obama para seu primeiro mandato, a 20 de janeiro de 2009, quando se congraçaram no Salão Oval com o presidente democrata seu antecessor, George W. Bush, republicano (2001-2009), o também republicano George Bush pai (1989-1993) e os democratas Bill Clinton (1993-2001) e Jimmy Carter (1977-1981).
George W. Bush, Barack Obama, George H.W. Bush, Bill Clinton e Jimmy Carter (Foto: J. Scott Applewhite / AP)
Cena que ninguém estranha nos EUA: Obama reúne no Gabinete Oval antecessores republicanos e, como ele, democratas: Bush pai, George W. Bush, Bill Clinton e Jimmy Carter (Foto: J. Scott Applewhite / AP)
Que a presidente Dilma conviva sem problemas com Lula, seu tutor, ou com Sarney e Collor, aliados do governo no Congresso, não é nada demais.
Mas, num país de radicalização política exacerbada como o Brasil, onde se vive um permanente clima envenenado entre petistas e tucanos, acho produtivo e elogiável o trato civilizado e atencioso que a presidente mantém com o tucano-mor, FHC.
Em seus oito anos no poder, Lula jamais pensou em chamar FHC para uma conversa, como fazem governantes de países como os EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Austrália em determinadas circunstâncias. Como agiu o próprio FHC, por sinal, que depois de ungido pelo voto popular manteve conversas produtivas e cordiais com um figurão do regime que lhe foi algoz — o falecido general-presidente Ernesto Geisel.
Diferentemente de Lula, Dilma, já em seus primeiros meses de governo, em 2011, teve a gentileza de convidar o adversário político tucano para um almoço em homenagem ao presidente norte-americano Barack Obama, em visita oficial ao Brasil — ao qual, diga-se, Lula não compareceu.
Almoço no Itamaraty em homenagem à visita de Obama, em 19 de março de 2011 (Foto.: Beto Barata / AE)
FHC com Dilma no coquetel antes do almoço no Itamaraty em homenagem a Obama, a 19 de março de 2011: gestos simbólicos raros — e bem-vindos (Foto: Beto Barata / AE)
Depois, em junho do mesmo ano, por ocasião do 80º aniversário de FHC, enviou-lhe uma mensagem extremamente gentil, chamando-o de “querido presidente Fernando Henrique”. No ano seguinte, 2012, em maio, de novo convidou FHC a prestigiar uma cerimônia — a de lançamento da Comissão da Verdade, à qual estiveram presentes também Lula, Collor e Sarney.
Ontem, antes da viagem à África do Sul, a presidente ainda uma vez dispensou atenções ao patriarca tucano. Ela inaugurou, no Copacabana Palace, seminário sobre América Latina promovido pelo instituto de estudos do ex-presidente norte-americano Bill Clinton.
FHC, que também participou do seminário, foi convidado pela presidente a seguir do Copacabana Palace ao Galeão em sua companhia no automóvel presidencial.
São pequenos gestos simbólicos, é verdade. Num país como o nosso, contudo, em que a barbárie ainda prevalece em muitos aspectos da vida política, são tão raros como muito bem-vindos.

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